sexta-feira, 6 de julho de 2012

Dos amores


Por Silvia Badim e Renata Penna
Ilustração de Ana Vasconcellos




Eu achava que amar tinha a ver com certezas. Eu estava errada, amar é não ter certeza nenhuma de coisa nenhuma. É andar na corda bamba de olhos fechados, sem rede de proteção para suavizar o tombo. Eu achava que quando a gente ama, tem segurança e tranquilidade, mas não. Até que tem leveza e paz, mas é uma paz feita de tempestade, uma paz toda colorida e intensa feito olho de furacão. Eu queria encontrar nesse amor que eu esperei a vida toda um sono tranquilo sem pesadelos, mas quando ele veio eu descobri que o sentimento verdadeiro é assim, sobressalto. É de susto que ele se alimenta, é de reviramento que se faz um amor de verdade, senão é quererzinho besta que por qualquer coisa se esvai, amor de verdade não. E eu, que achava que no dia em que eu encontrasse o tal que tanto se fala, teria todas as respostas, agora eu sei. Eu sei que quando se ama se encontra novas perguntas e novas coisas pra se pensar e novos caminhos e novas delícias boas de experimentar. E eu sei que o amor pode doer também. E eu sei que é bom, mesmo na dor. E eu sei que não precisa ser arrumadinho nem perfeito nem cor de rosa porque não é pra ser. E agora eu sei que não é que a gente se misture nem deixe de ser o que é para estar com o outro, é outra coisa, é aprender a caminhar solitário, mas de mãos dadas. 

E é por isso tudo que hoje eu sei que eu amo. É, eu amo você, eu posso dizer, deixo vir ao mundo essa frase tão difícil que agora sai assim tão fácil, que escorrega pela língua, que é tão óbvia e boa de falar, desse jeito mesmo, clara e repetidamente. E é tão bonita essa profusão toda de sentires, é bonito esse amor que invade assim, sem rumo certo, sem resposta ou cama esticadinha. A gente se encontra é aqui na beira desse mar imenso, revolto, de ondas grandes e volumosas. Esse mar salgado que quando a gente pisa e arrepia é também feito de vento calmo e águas plácidas, de estrelas coloridas e lua cheia refletida no escuro. Porque é assim, é calmo e é revolto, é intensidade e mansidão, é assim quando é real e é preciso coragem para se querer aquilo que se é, para se querer os contraditórios que vem com essa força toda, para enfrentar a si próprio refletido nos olhos do outro. Coragem de querer mais e querer sempre, para olhar profundamente e mergulhar nos olhos  sem porto de chegada, para querer fazer da vida um lugar mais bonito só para poder acolher o outro. Coragem para beijar as fragilidades que pingam em lágrimas insensatas, para soprar bem forte as nuvens carregadas, para suspirar como tola a cada gesto de carinho e a cada descoberta de caminho conjunto. 

Porque amar é também essa coragem toda, é ousadia querer fazer casa, de construir mais e melhor, de querer montar o futuro mesmo sabendo que o futuro é miragem e aposta, é ingenuidade boa de querer que o outro nunca mais vá embora. E é também essa dor toda, essa dor dialética, a dor que permeia tudo que é grande, a dor de se saber finito diante do universo das estrelas, de se saber pequeno diante do vôo cego de mãos dadas, de saber tudo e não saber nada, de sentir de olhos vedados e desistir de colocar os óculos. 
E aqui então eu enterro todas as pequenas certezas e de dentro da minha solidão planto as minhas mãos nas suas. Com os pés descalços no chão de terra reverencio a grande e única certeza de estar ao seu lado pulando nesse abismo nosso que gela os ossos, de estar nua e cheia de medo bom, de estar cavalgando sem cela e de, sobretudo, estar viva, experimentando essa vida que faz sentido porque você me testemunha, porque você me olha e me adentra as células, porque a gente se mistura e se guarda em conchas separadas, porque tudo faz sentido mesmo quando não conseguimos enxergar sentido algum. 

E é nesse lugar mesmo que eu quero ficar, é aqui nesse turbilhão que eu continuo falando de amor, que eu pego os lápis para colorir a quatro mãos essas tantas páginas em branco que estão por vir. Porque aqui é onde amanhece com sol, é onde a luz brilha no horizonte, é onde os pássaros cantam e a mágica acontece. E eu quero a mágica.  



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