Por Silvia Badim e Renata Penna
Ilustração de Ana Vasconcellos
Eu
achava que amar tinha a ver com certezas. Eu estava errada, amar é não ter
certeza nenhuma de coisa nenhuma. É andar na corda bamba de olhos fechados, sem
rede de proteção para suavizar o tombo. Eu achava que quando a gente ama, tem
segurança e tranquilidade, mas não. Até que tem leveza e paz, mas é uma paz
feita de tempestade, uma paz toda colorida e intensa feito olho de furacão. Eu
queria encontrar nesse amor que eu esperei a vida toda um sono tranquilo sem
pesadelos, mas quando ele veio eu descobri que o sentimento verdadeiro é assim,
sobressalto. É de susto que ele se alimenta, é de reviramento que se faz um
amor de verdade, senão é quererzinho besta que por qualquer coisa se esvai,
amor de verdade não. E eu, que achava que no dia em que eu encontrasse o tal
que tanto se fala, teria todas as respostas, agora eu sei. Eu sei que quando se
ama se encontra novas perguntas e novas coisas pra se pensar e novos caminhos e
novas delícias boas de experimentar. E eu sei que o amor pode doer também. E eu
sei que é bom, mesmo na dor. E eu sei que não precisa ser arrumadinho nem
perfeito nem cor de rosa porque não é pra ser. E agora eu sei que não é que a
gente se misture nem deixe de ser o que é para estar com o outro, é outra
coisa, é aprender a caminhar solitário, mas de mãos dadas.
E
é por isso tudo que hoje eu sei que eu amo. É, eu amo você, eu posso dizer,
deixo vir ao mundo essa frase tão difícil que agora sai assim tão fácil, que
escorrega pela língua, que é tão óbvia e boa de falar, desse jeito mesmo, clara
e repetidamente. E é tão bonita essa profusão toda de sentires, é bonito esse
amor que invade assim, sem rumo certo, sem resposta ou cama esticadinha. A
gente se encontra é aqui na beira desse mar imenso, revolto, de ondas grandes e
volumosas. Esse mar salgado que quando a gente pisa e arrepia é também feito de
vento calmo e águas plácidas, de estrelas coloridas e lua cheia refletida no
escuro. Porque é assim, é calmo e é revolto, é intensidade e mansidão, é assim
quando é real e é preciso coragem para se querer aquilo que se é, para se
querer os contraditórios que vem com essa força toda, para enfrentar a si
próprio refletido nos olhos do outro. Coragem de querer mais e querer
sempre, para olhar profundamente e mergulhar nos olhos sem porto de
chegada, para querer fazer da vida um lugar mais bonito só para poder acolher o
outro. Coragem para beijar as fragilidades que pingam em lágrimas
insensatas, para soprar bem forte as nuvens carregadas, para suspirar como tola
a cada gesto de carinho e a cada descoberta de caminho conjunto.
Porque
amar é também essa coragem toda, é ousadia querer fazer casa, de construir mais
e melhor, de querer montar o futuro mesmo sabendo que o futuro é miragem e
aposta, é ingenuidade boa de querer que o outro nunca mais vá embora. E é
também essa dor toda, essa dor dialética, a dor que permeia tudo que é grande,
a dor de se saber finito diante do universo das estrelas, de se saber pequeno
diante do vôo cego de mãos dadas, de saber tudo e não saber nada, de sentir de
olhos vedados e desistir de colocar os óculos.
E
aqui então eu enterro todas as pequenas certezas e de dentro da minha solidão
planto as minhas mãos nas suas. Com os pés descalços no chão de terra
reverencio a grande e única certeza de estar ao seu lado pulando nesse abismo
nosso que gela os ossos, de estar nua e cheia de medo bom, de estar cavalgando
sem cela e de, sobretudo, estar viva, experimentando essa vida que faz sentido
porque você me testemunha, porque você me olha e me adentra as células, porque
a gente se mistura e se guarda em conchas separadas, porque tudo faz sentido
mesmo quando não conseguimos enxergar sentido algum.
E
é nesse lugar mesmo que eu quero ficar, é aqui nesse turbilhão que eu continuo
falando de amor, que eu pego os lápis para colorir a quatro mãos essas tantas
páginas em branco que estão por vir. Porque aqui é onde amanhece com sol, é
onde a luz brilha no horizonte, é onde os pássaros cantam e a mágica acontece.
E eu quero a mágica.
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